segunda-feira, 10 de março de 2014

Opus 52

Eu tenho esse desejo...
Esse desejo que nunca morre...
Um fetiche, uma espécie de fetiche que me persegue a cada cair de noite, a cada gota de chuva, a cada impulso... cada ar que pressiona os meus pulmões, fazendo contrair o tórax que eu tão ansiosamente espero encher... o vazio do peito... o vazio que persegue.

A ânsia de ser fato... de ser certeza e verdade, por mim e pra mim. A ânsia eternamente dependente da vontade do outro... ou do Outro.
A falha que me arde e doma, que sempre resulta em arte de desabafo e desespero.

Queria ser delicadamente pressionada por notas agudas, estridentes e sinceras... pelas pontas dos dedos de quem eu escolhi pra ser maestro da minha vida... em um solo de piano melancólico e sincero.
Tenho o desejo de ser suficiente, de sentir queimar ao vivo a mata da alma, de sentir jorrar o gozo íntimo que é ser eu e o sujeito que eu escolho pra mim. De ser dois. De olhar nos olhos e sentir esse frio jorrar todo pra fora na foda mais doente que existe que é sentir-se amado...

Ainda me reprimo e cuspo na cara da minha própria essência. Não consigo me deixar em parênteses e nem a falta... e nem quero substituí-la. Quero sentir-me ser única de novo, de voltar ao útero e ser alimentada involuntariamente através de um conforto materno, que te desenvolve independente de trocas.
Quero ser aceita no na melodia do silêncio que me parte em trezentas ao presenciar exatamente esse conforto naquele olhar felino, predatório, que me prende e te come viva.
Quero ser livre e mulher, o que eu sou de mulher, sem ser reflexo de uma figura preestabelecida, mas sim de ser a minha própria sensibilidade, o meu próprio apego, a minha própria passividade... de ser enxergada como sujeito único e protetor da minha própria existência.

Quero que você me olhe e me diga, sem uma palavra, que ser sujeito é ser o que eu sou, o que eu quiser ser, e não me preocupar se ainda faço parte do que alguém espera que eu seja... quero que você me convide pra isso e que minha própria fraqueza me cure.


Quero ser uma balada de Chopin, tocada com carinho à luz do luar, apesar de sozinha. E quero que, ao final, eu seja eternamente aplaudida e que seja reconhecida como única e imortal através dos tempos atuais, que são suicidas e destrutivos... mas que seja uma destruição que, quando eu olhar pra trás depois da morte, seja exatamente o que eu quero: aquele sexo de olhar fixo nos olhos e que te faz palpitar o coração, que me faz sentir parte do universo... e, assim, compreende-se tudo, mesmo que eu não tenha dito nada.