Eu tenho esse desejo...
Esse desejo que nunca morre...
Um fetiche, uma espécie de fetiche que me persegue a cada
cair de noite, a cada gota de chuva, a cada impulso... cada ar que pressiona os
meus pulmões, fazendo contrair o tórax que eu tão ansiosamente espero encher...
o vazio do peito... o vazio que persegue.
A ânsia de ser fato... de ser certeza e verdade, por mim e
pra mim. A ânsia eternamente dependente da vontade do outro... ou do Outro.
A falha que me arde e doma, que sempre resulta em arte de
desabafo e desespero.
Queria ser delicadamente pressionada por notas agudas,
estridentes e sinceras... pelas pontas dos dedos de quem eu escolhi pra ser
maestro da minha vida... em um solo de piano melancólico e sincero.
Tenho o desejo de ser suficiente, de sentir queimar ao vivo
a mata da alma, de sentir jorrar o gozo íntimo que é ser eu e o sujeito que eu
escolho pra mim. De ser dois. De olhar nos olhos e sentir esse frio jorrar todo
pra fora na foda mais doente que existe que é sentir-se amado...
Ainda me reprimo e cuspo na cara da minha própria essência. Não
consigo me deixar em parênteses e nem a falta... e nem quero substituí-la. Quero
sentir-me ser única de novo, de voltar ao útero e ser alimentada
involuntariamente através de um conforto materno, que te desenvolve
independente de trocas.
Quero ser aceita no na melodia do silêncio que me parte em
trezentas ao presenciar exatamente esse conforto naquele olhar felino, predatório,
que me prende e te come viva.
Quero ser livre e mulher, o que eu sou de mulher, sem ser
reflexo de uma figura preestabelecida, mas sim de ser a minha própria
sensibilidade, o meu próprio apego, a minha própria passividade... de ser
enxergada como sujeito único e protetor da minha própria existência.
Quero que você me olhe e me diga, sem uma palavra, que ser sujeito
é ser o que eu sou, o que eu quiser ser, e não me preocupar se ainda faço parte
do que alguém espera que eu seja... quero que você me convide pra isso e que
minha própria fraqueza me cure.
Quero ser uma balada de Chopin, tocada com carinho à luz do
luar, apesar de sozinha. E quero que, ao final, eu seja eternamente aplaudida e
que seja reconhecida como única e imortal através dos tempos atuais, que são
suicidas e destrutivos... mas que seja uma destruição que, quando eu olhar pra
trás depois da morte, seja exatamente o que eu quero: aquele sexo de olhar fixo
nos olhos e que te faz palpitar o coração, que me faz sentir parte do
universo... e, assim, compreende-se tudo, mesmo que eu não tenha dito nada.
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