quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Não sustento sentir-me  vulnerável
Não suporto ir ao médico:
O meu corpo se cura sozinho, inconstantemente, a partir das crises, dos sufocos e do sofrimento.

Minha linguagem é esdrúxula e não se martiriza na razão.
Minha vida é atear fogo ao meu próprio corpo em uma performance mentirosa e medrosa.

Eu não sou eu, não sou.
Um artista não deve mentir para si mesmo.

Um artista não deve
Um artista não deve se apaixonar
Um artista não deve se apaixonar por outro artista

Um artista não deve se apaixonar por outro artista
Um artista não deve se apaixonar por outro artista
Um artista não deve se apaixonar por outro artista
Um artista não deve se apaixonar por outro artista
Um artista não deve se apaixonar por outro artista

Sei que necessito do sofrimento como uma mentira vital, mas não me apaixonei pelo artista: Sou apenas eternamente devota a sua obra.



A, m.

Bruna Léo
06/11/13, 11:21.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

God, help the beast in me.

Parti suplicando o ar da perda naquela tarde de segunda feira. Tudo parecia incerto e inexpressivo. Sei que de todas as coisas jamais esperava tratar, até que com certo ar jocoso, tudo o que me aconteceu naquele período insólito.
Andar na corda bamba agora me parece seguro. Brinco sobre ela, ando fazendo piruetas.

Antes da partida, deveria agradecer por tudo o que me aconteceu. Obrigada, Deus, por ter me feito sofrer. Obrigada por ter me endurecido, ou melhor, amadurecido. Ganhei 9000 anos nessa brincadeira. Mas, agradeço acima de tudo o fato de você aparecer através do usual semblante turvo, sujo e tosco, me deixando certa de que a perda, de fato, foi perda de nada, porque assim nasci, do nada, e assim vou morrer. O resto é passagem.


28/10/2013

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sempre tive o dom de imaginar coisas inimagináveis.
Espelho pra mim é televisão, caixa de papelão é ventilador, ferro de passar roupa é cadeira, revista é sapateira. Baco é o deus da preguiça e angústia é êxtase.
Crio a partir do irreconhecível, desenvolvo a partir do que não evolui. O fato de me apaixonar por qualquer puta insossa confirma a hipótese.
Eros é invisível. Contemplo o feio e insulto o belo.
Rasga-verbo é carta de amor, loucura e desconforto é o sinal verde pra paixão.
O que aparentemente encaixa não dá liga, e o que deveria confirmar acaba por desfocar.
Coração vira arco-e-flecha, fantasia é realidade.
Horrorizo a sanidade, a racionalidade e a certeza.
Solidariedade é auto-promoção, patriarcado é consumo.
Os significantes possuem opostos significados.
Abrigo a clareza e aceito o insulto, tão belo quanto chupar boceta.
Cravar um canivete na mão amiga é sinal de afeto.
Não fui porra, não fui zigoto. Nasci a partir do desgaste, da insistência e do sofrimento. Nasci da pele preta de quem dança, da lombriga da criança, da sujeira resistente debaixo das unhas das mãos belas de um pianista. Sou afta, que arde e incomoda, mas que se tem orgulho e mostra.
Cresci na ponta de ridículo do espetáculo, sou a farpa que penetra o best-seller.
Sou a reconstrução da humanidade, com alma de viciada.
E em toda a certeza que eu sou, o vômito do trago, eu cuspo na minha própria cara e me repudio.

Bruna Léo

03/10/2013

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A ORDEM DE DESPEJO

Entrei em uma daquelas casas abandonadas e a ocupei.
Era uma daquelas casas usadas em cenário de filme de terror trash dos anos oitenta: Quase caindo aos pedaços, mas que possuía grandes expectativas.
Recebi o convite inesperado de Stella, de um jeito acanhado. Era alguma noite de férias. Nós conversávamos online e ela veio com a surpresa de que queria que eu a acompanhasse.
Stella sempre foi a minha maior representação de mistério. Ela tinha algo... algo que eu nunca tinha visto nos meus ingênuos 20 anos de vida. Quando ela passava perto de mim eu sentia aquele frio na barriga, acompanhado de uma timidez que me impedia até mesmo de conseguir cumprimenta-la ou olha-la nos olhos. Ela tinha 24 e experiência de vida de pelo menos 60 em vista da minha. Tinha visto coisas que eu desejava ter visto, vivido; coisas que me inspiravam. Ela era extremamente criativa, de uma escrita que te faz gozar, ejacular, sem sentir uma mínima parcela de ar nos pulmões, e isso durava horas.
Quando surgiu o convite eu me peguei em um momento onde eu pensei chegar perto do paraíso, mas apesar das expectativas eu sabia que estava entrando em território frágil. Sabia que a ordem de despejo chegaria.
Já passei por muitas experiências desse tipo na minha vida. Já estive em vários lugares. Existiam aqueles que me inspiravam e pareciam irreconhecíveis e inconciliáveis; existiam aqueles que eu sabia que entraria uma hora, que não existia chances de fuga; existiam aqueles que pareciam a casa dos meus pais, mas eu, como uma adolescente, em período de completa instabilidade, desejava emancipação.
Era uma noite de início de agosto. Estávamos há dias na porta da casa, apenas observando e decidindo se entraríamos. Havia um “quê” de receio do que aconteceria no momento que entrássemos ali.
Antes desse momento, Stella havia passado por lugares traumáticos. Viu coisas inimagináveis, lugares que a agrediam, enganavam e traiam. Lugares que decepcionavam, cujas lembranças só causam dor e ódio.
Apesar de ser uma pessoa livre, Stella tinha maneiras particulares de encarar e se estabilizar em um território novo: Ela entra pra ficar. Sem viagens.
No início Stella quis fugir, enquanto nós ainda estávamos paradas observando a entrada da casa. Convenci-a de arriscar.
À minha confirmação, ela mostrou contentação. Demos as mãos e entramos juntas.
À primeira vista parecia ideal. Estávamos há dias trancadas ali. Era o nosso espaço, que nós estávamos construindo juntas, até que um dia ouvimos um ruído vindo da porta e uns estalos no piso de madeira velha corrida, que aparentava estar ali há pelo menos um século. Nosso espaço era o que sustentava o que eu considerava nós, e os primeiros sinais de ameaça a isso apareceram uma semana depois.
Como toda cabana de filmes de terror, com o passar do tempo aparecem monstros, animais, demônios, espíritos que tentam possuir... e nós já não éramos mais nós.
Stella mostrou uma insegurança, uma falta de conforto à nossa estadia naquela casa, e eu insisti. Insisti que era apenas receio de que ela desabasse, mas que isso não poderia ser certo apenas por ouvirmos ruídos, que poderiam vir apenas de algum esquilo que passava por ali, diariamente.
Ao passar de um mês, eu, Bianca, notei-me louca. Tive crises de pânico naquela casa. Minha falta de conforto era tanta que eu tentei sair pela janela do quarto do segundo andar um dia. Naquele episódio, Stella me desconheceu. Uma distância se criou.
Aquela distância entre nós duas, ver Stella passando mais tempo fora da casa do que dentro, onde eu insistia em ficar, me deixou preocupada com o que aconteceria. Preocupava-me a chegada da ordem de despejo.
Desesperadamente passei a remendar todas as fissuras do piso, cobrir os buracos, pintar as paredes... Tentar renovar a casa, para que não houvesse mais inseguranças sobre ela. Porém, as fissuras ainda estavam ali, visíveis através dos remendos. Os buracos estavam ali, apesar de cobertos. A estrutura da casa ainda era frágil, apesar de toda a pintura que foi ali feita.
Stella estava cada vez mais distante. Recebi os estigmas da data, dos quais a minha imagem jamais se livraria. Percebi que a sua personalidade também tinha mudado, como a minha.
Um dia ela chegou com a carta... a carta que eu temi por toda a nossa estadia naquela cabana: a ordem de despejo tinha chegado naquele momento. Resolvi ignora-la. Disse que a casa não desabaria se eu continuasse a consertá-la, e com o tempo ela seria nova... e nós poderíamos ter tudo aquilo que queríamos em breve, que eu mostraria isso a ela. Ela propôs que fossemos embora, porque a casa poderia cair a qualquer momento. Insisti que isso não seria necessário, apesar de todas as fissuras.
Como previsto, as paredes estavam pintadas, os pisos remendados, os buracos cobertos... Já não existiam mais ruídos. Já não existia mais nada além daquelas fissuras e buracos por trás dos remendos.
Um dia fui à varanda. Passeei pelo bosque que existia ali perto e observei a casa de longe. Stella ainda estava na porta, sentada na pequena escada de dois degraus. Estava de cabeça baixa, aparentemente pensativa. Passei perto dela e ela me deu as mãos, mas não mais que isso.
E naquele momento, enquanto estávamos de mãos dadas, ambas olhando pras pernas tremulas e tensas, pras folhas secas no chão, pro céu acinzentado que borrifava levemente, a chuva começou a molhar a ponta dos nossos sapatos. Ouvi um barulho de janela caindo, que se seguiu por uma série de estalos. Nos levantamos brevemente e tomamos distância uma da outra. Cada uma apoiou-se em uma das duas árvores que guardavam aquela cabana por todo aquele tempo.
Tudo começou com o telhado caindo, uma telha por vez. Parecia que levaria horas pra que tudo desabasse, mas não durou mais que 10 mintutos. Em um piscar de olhos eu vi a casa toda abaixo. A árvore em que Stella se apoiava caiu sobre o seu corpo e eu nem ouvi. Estava ali, sozinha. A queda da casa também levou toda a esperança que restava em mim. Vi todas as minhas memórias se apagarem em cada um daquelas tábuas quebradas de madeira que se empilhavam de maneira irregular no chão. Olhei para o corpo de Stella e não senti nada. Tudo estava, aparentemente, no zero. Eu não me reconhecia mais. Não reconheci as lembranças, não reconheci Stella e nem os meus planos. Saí correndo pelo bosque, em direção à estrada. Caminhei por ela por oito minutos aproximadamente, de cabeça erguida e uma raiva no rosto. Até que esbarrei em uma árvore que bloqueou meu caminho. Era uma árvore caída na pista. Grande, e ainda estava com as folhas muito verdes. Olhei para a árvore e a imagem do corpo de Stella, morto e frio, me veio à cabeça. Nesse momento eu me desesperei. Tudo o que eu sonhava me veio à cabeça e eu chorei. Chorei como nunca havia chorado antes. Chorava por ter ignorado a ordem de despejo chegada, a ordem que evitaria tragédias. Eu ignorei. Era tudo culpa minha.
Insultei Stella em umas treze línguas diferentes, tentando encontrar algo que não servisse de amarra à culpa da queda da casa. Mas era minha.
Sentei-me no tronco por umas três horas, lembrando-me da última imagem que tinha, das minhas mãos dadas com as mãos de Stella, e gritei. Gritei com força proporcional à angústia de culpa, a terceira face da angústia, que era a minha única amarra naquele momento. Perdoei-me e a partir disso cresci. Eu já era maior que as montanhas. Tinha chegado ao paraíso. Sozinha.


Bruna A. Léo
01/10/13

domingo, 23 de junho de 2013

Segunda, 24 de julho de 2013

O riso da minha mãe é um riso desesperado... Parece um choro. Agudo, desses de criança. Faz uns “hi-hi-hi"s no meio.
Às vezes me confundo nas noites, ao ouvi-la na sala, assistindo qualquer programa de TV típico, bobo, de domingo, se ela chora ou ri. Talvez ela tenha motivos para rir de qualquer piada boba.
Aqui em casa a gente costuma rir quando a minha mãe ri... Dá um sentimento bom vê-la rir... Mas, pra mim, o riso da minha mãe parece um choro.
Meu choro é abafado, sem fôlego. Quando fico nervosa começo a rir. Talvez eu ache o desespero cômico... Talvez seja um mecanismo de defesa. Tem gente que grita, bate, quebra as coisas... Eu não. Só choro. Mas meu choro parece um riso.

00:02

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Quinta-feira, 2 de maio de 2013

- Entendo algo de medicina, sei como a última hora se anuncia. Ontem, tinha apenas os pés frios; hoje, os joelhos; já o sinto subir-me à cintura; quando chegar ao coração, deixarei o mundo. O sol está magnífico, não é verdade? Fiz com que me arrastassem para aqui, a fim de lançar-lhe um último olhar. Fez muito bem em vir assistir à morte de um homem. É bom que haja testemunhas, neste momento. Desejava chegar até o romper da aurora, porém sei que só viverei três horas. Morrerei à noite. Acabar é uma coisa simples. Não se necessita do dia para morrer; morrerei à luz das estrelas."

HUGO, Victor. Os Miseráveis. Primeira parte: IX.

Janeiro de 2012


"Nossa vida quotidiana é bombardeada de acasos, mais exatamente encontros fortuitos entre as pessoas e os acontecimentos - aquilo que chamamos de coincidências. Existe co-incidência quando dois acontecimentos inesperados acontecem ao mesmo tempo, quando eles se encontram [...]
No princípio do pesado livro que Tereza carregava embaixo do braço no dia em que viera para a casa de Tomas, Ana encontra Vronsky em circunstâncias estranhas. Estão na plataforma de uma estação e alguém acabara de cair sob o trem. No fim do romance, é Ana que acabara de cair sob o trem. Essa composição simétrica, onde o mesmo motivo aparece no começo e no fim, pode até parecer 'romântica'. Admito que seja, mas somente com a condição de que romântico não signifique para você uma coisa 'inventada', 'artificial', 'sem semelhança com a vida'. Porque é assim mesmo que é composta a vida humana.
Ela é composta como uma partitura musical. O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito (uma música de Beethoven, a morte numa estação) para fazer disso um tema que, em seguida, fará parte da partitura de sua vida. Voltará ao tema, repetindo-o, modificando-o, desenvolvendo-o e transpondo-o, como faz um compositor com os temas de sua sonata. Ana poderia ter posto fim a seus dias de outra maneira. Mas o tema da estação e da morte, esse tema inesquecível associado ao nascimento do amor, atraiu-a no momento do desespero por sua sombria beleza mesmo nos instantes do mais profundo desespero.
O romance não pode, portanto, ser censurado por seu fascínio pelos encontros misteriosos dos acasos [...], mas podemos, com razão, censurar o homem por ser cego a esses acasos na vida quotidiana, privando assim a vida da sua dimensão de beleza."


Trecho de "A insustentável leveza do ser" de Milan Kundera.